As bebês reborn são bonecas hiper-realistas de silicone criadas de forma artesanal para imitar recém-nascidos e os valores podem chegar a mais de R$ 3 mil. Essas bonecas se tornaram uma febre nas redes sociais do Brasil, e chegam a fazer parte de algumas famílias que criam um apego emocional com as imitações de silicone.

No Rio de Janeiro, vereadores aprovaram, no dia 7 de maio, o “Dia da Cegonha Reborn”, em homenagem às artesãs que criam essas bonecas. Caso o protejo receba aval do prefeito Eduardo Paes (PSD), a data será celebrada no dia 4 de setembro. Esse é o fundo do poço moral de uma país que vive refém da criminalidade, corrupção política, roubo institucionalizado e exaltação da frivolidade e imbecilidade das redes sociais.

Mas esse culto bizarro a uma boneca começou nos anos 80 nos EUA.  As bonecas bebês reborn são uma releitura da histeria das Cabbage Patch Kids, também conhecidas como Bonecas-Repolho ou Pimpolhos, que viraram uma grande febre entre as crianças e adultos em 1983, quando se deu uma corrida entre consumidores para adquirir um exemplar da boneca de pano com cabeça de plástico.

As bonecas bebês reborn e a fuga patológica da realidade. 1

A marca de bonecas Cabbage Patch Kids bateu todos os recordes de vendas da indústria de brinquedos por três anos consecutivos e foi uma das linhas de produtos infantis licenciados mais populares na década de 1980, tornando-se uma das franquias de bonecas mais antigas dos Estados Unidos.

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O documentário “Billion Dollar Babies: The True Story of the Cabbage Patch Kids” mostra como as bonecas da linha Cabbage Patch Kids viraram febre e caso de polícia. Os brinquedos tinham toda uma história envolvida – a “origem” dos bebês, que viriam de repolhos – o que incluía até uma certidão de nascimento. A popularidade das bonecas levou a uma demanda nunca antes vista para um produto do tipo e a black friday de 1983 ficou marcada como a primeira em que as pessoas se digladiaram por um produto.

A polícia foi chamada a uma loja de departamentos em North Miami Beach depois que uma horda de 150 compradores derrubou um homem de 75 anos. No condado de Bergen, em Nova Jersey, uma mulher grávida teria sido pisoteada em uma loja da Child World. Em Paramus, uma mulher deu uma cotovelada em outra, deixando-a “quase inconsciente”.

As Bonecas-Repolho foram uma das primeiras manias da moda natalina nos EUA. Em 1983, a sua escassez inspirou brigas nos corredores das lojas de brinquedos. Cada uma das milhões de bonecas vendidas naquele ano continha um anúncio para o Hospital Geral de Babyland em sua embalagem, persuadindo as crianças a fazer uma peregrinação ao norte rural da Geórgia para visitar o local de “nascimento de seu filho”.

Os brinquedos foram criados por Xavier Roberts que, inspirado em Walt Disney, desenvolveu todo um universo em volta de suas bonecas. Uma grande casa em Cleveland, na Geórgia, foi transformada no Hospital Geral Babyland, local onde os brinquedos eram colhidos de pés de repolho (falsos) por enfermeiras uniformizadas.

A partir desse momento, as bonecas não eram adquiridas, mas adotadas pelas crianças, o que agregou um valor inestimável ao produto, o que deu origem à grande febre que fugiu de controle na Black friday de 1983.

Ciente de que não conseguiria ofertar bonecas suficientes, a empresa detentora dos direitos sobre o brinquedo na época cancelou anúncios, mas isso só serviu para aumentar ainda mais a histeria do público em adquirir uma unidade. O resto, é História (violenta).

Na recepção do Hospital Geral de Babyland, uma funcionária em uniforme hospitalar pergunta ao visitante se gostaria de comprar uma “experiência de parto vivo”, pela qual teriam de pagar US$ 120. Você se senta em frente a uma mesa e escolhe os detalhes da cor dos olhos, cabelo e pele do Cabbage Patch Kid, bem como o sexo.

Em seguida, você assiste ao parto. A cerimônia de parto do Hospital Babyland começou no final da década de 1970 como uma estratégia oportunista para incentivar o turismo. A mesma estratégia comercial e comportamento patético de tratar bonecas como filhos está sendo aplicada as bonecas bebês reborn.

BEBÊS REBORN : RENASCIDOS DO INFERN0

Karina Michelin

Estamos assistindo — calados ou cúmplices — à normalização do inaceitável: adultos emocionalmente devastados tratando ossos de silicone como se fossem filhos reais, em um surto coletivo cuidadosamente embalado pela indústria, promovido pelas redes sociais e blindado pela covardia de quem recusa a dizer a verdade. O mundo enlouqueceu. E pior: passou a chamar de “terapia” aquilo que é, na essência, uma fuga patológica da realidade.

Como escrever meu amigo Flavio Gordon, com precisão: “Frutos de uma cultura hiper-subjetivista e narcisista, o aborto e a ‘parentalidade’ reborn são a contrapartida um do outro: enquanto o primeiro reduz a pessoa à condição de ‘amontoado de células’, a segunda eleva um amontoado de átomo à condição de pessoa. Em ambos os casos, o produto é o mesmo: um bebê sem vida. É o triunfo da cultura da morte.” Nada mais representa tão bem o colapso moral e mental de uma era.

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Renato Cunha
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